quarta-feira, junho 13

O amor no dia dos namorados

Escrito por M. às 23:25
"Estou sozinha", pensei. Não era algo como estar sozinha num lugar qualquer. Estar sozinha naquele momento significava está sentindo falta de alguém; alguém conhecido, que passara na minha vida em algum dia, ou alguém desconhecido que ainda estava por vir. 

"Estou sozinha", repeti em voz alta. Não sei de onde ou como chegaram até mim, mas depois de alguns segundos, pingos de lágrimas escorriam pelo meu rosto. Fazia frio naquela tarde de 12 de junho. Estava naquele parquinho sentada sem ninguém ao meu lado. Havia apenas alguns - oito ou dez - casais passeando de mãos dadas pela rua para minha depressão. Apenas algumas crianças se divertindo nos brinquedos ao longe. Aquele era um dia nublado, acabara de chover uma hora antes. As folhas das árvores ainda estavam molhadas, a areia do parque estava fofa, e o vento apesar de brisa, para mim, era cortante. Não merecia estar sozinha naquele dia dos namorados.

 Estava tão imersa na minha persistência em continuar sofrendo, que eu não observei um casal de velhinhos que trocavam beijinhos de esquimó do outro lado de onde eu estava. Eu os observei por alguns minutos atentamente. Sua sintonia era tão intensa que eu fiquei hipnotizada. Como é que dois velhinhos conseguem se amar de uma forma tão rara e tão interessante como eles? "Entender o amor não é uma coisa que me é cabível...", pensei de forma triste. Depois de me martirizar o suficiente para ficar triste o resto do dia, limpei minhas lágrimas, fui para casa, meu quarto e coloquei "aquele" filme com "aquele" doce para sofrer ainda mais. Enquanto o mocinho dava o beijo final na mocinha, depois de sofrerem juntos por um amor impossível, eu estava em prantos. Dormi. 

No outro dia, havia pombos por todo canto. Não paravam de chegar. Do outro lado do parque, o senhor do dia anterior alimentava esses animais. Ele se sentou e sorriu. Sorriu para o nada. Sua senhora chegou e fechou-lhe os olhos com suas mãos, e deu-lhe um beijo na testa, num movimento lento e demorado. O carinho me depreciava. E do nada bateu-me a curiosidade de perguntá-lo como eles faziam para serem tão felizes. Olhei-os novamente e me levantei - queria ir pro meu refúgio de cristal, meu quarto, o mais rápido possível. Sim, eu vivia numa bolha, o meu mundo. 


"Ei", ouvi. "Ei, mocinha!". Era aquele senhor me chamando. "Sim?", respondi. "Poderia tirar uma foto?", ele estendeu a mão com a câmera. Eu olhei para a câmera com raiva. Eles não entendiam que eu estava sofrendo? Fiz menção de ir embora. Não queria saber mais de respeito pelos mais velhos. Deveria existir respeito aos mais novos, isso sim. "Por favor, querida", insistiu a mulher. "Essa é nossa última oportunidade de tirarmos uma foto juntos." Quase perguntei por que, mas o bom senso me dizia que não era da minha conta. E eu ainda estava com raiva. Sim, era infantil. 

"Claro", engoli a raiva e o choro. Tirei uma, duas, três. Percebi que não só havia amor, mas cumplicidade nos sorrisos dos dois. Amantes, namorados. Eles eram tudo isso. "Você está triste?", perguntou-me o senhor de cabelos grisalhos. "Não, claro que não", respondi. "Você nega, querida, mas seus olhos não", me surpreendeu aquela senhora gentilmente. Meus olhos deixaram escapar algumas lágrimas.

"São apenas algumas lágrimas", respondi enquanto aquela senhora me abraçava. Conversei. Desabafei. Coloquei tudo o que eu estava sentindo para fora, para dois anciãos de uma vida plena em amor. Aquele senhor, respondeu-me com sinceridade: "O que nós fazemos para sermos felizes? Bem, absolutamente nada de absurdo. Apenas amamos a nós mesmos". Aquilo me surpreendeu. Esperava algo como aqueles livros de autoajuda, faça assim, faça assado. O amor não fumega se não houver uma chama que o acenda. Se você não se ama, como pode enxergar o amor? O amor vem de dentro de nós de forma lenta e gradual". 

"E se eu não encontrar o amor?"perguntei assustada. Ele me respondeu: "Amor não é paixão. Amor não são desejos carnais. Amor é uma forma de enxergar a vida. Há amor em todos os lugares, em todos os momentos. Existe amor ao dar alimento a um pombo. Olhe para a copa das árvores, olhe para como a chuva escorre pelos brinquedos das crianças, isso é amor. A simplicidade é uma das formas na qual o  amor se espelha. O amor em essência é impossível de se viver, por que não somos seres que queremos viver o amor. Vivemos em guerra. Vivemos em eterna correria. Ninguém sente o amor de verdade, por que ninguém quer fazer a 'cama' para o amor se instalar. Amar não é um sentimento, apenas. É uma decisão. Se você escolhe amar, se você escolhe sentir o amor, você tem que fazer com que ele seja o amor que você procura. Você tem que moldá-lo da forma como quer, mas para isso, é necessário que você faça o molde. Trabalhe duro para que o amor se instale em você".  

"Como?", perguntei mais uma vez sem entender. "Ame-se", respondeu novamente. "Quando você se amar de forma total, se entregar ao seu íntimo de forma completa, você vai atingir o amor na essência. Ame-se de uma forma que você nunca sentiu antes. Aproveite coisas boas das coisas ruins. Retire dos seus defeitos oportunidades para mudar e para fazer o amor acontecer. Só assim você estará pronta para amar de verdade. E quando tiver o amor nas suas mãos, cuide para que ele não se vá. O amor vem, mas também volta. Principalmente se você não cuidar de seus defeitos e deixar que eles interfiram na sua relação com o amor".

Agradeci. Ainda era muito para processar. A senhora sorriu. Deu-me um beijo na testa e ajudou o senhor a levantar. O senhor cavalheiro levantou, colheu uma margarida e me deu. Pouco antes de ir, contou-me que estava com câncer. E seu estado era terminal. Havia pedido alta no hospital para poder ficar em casa com sua amada e adorada esposa. Naquele dia que alimentou os pombos, fazia sessenta anos de casado. Perguntei se ela estava sofrendo. Com um sorriso me respondeu: "Sim. Eu vou sentir uma falta imensa do meu marido, mas estou conformada, de certa forma. Já chorei demais, mas não quero pensar em quando ele se for. No dia em que ele me der adeus, eu darei adeus a esse mundo. Não posso existir num mundo onde o meu amor não exista". "A senhora pretende se suicidar?!", perguntei assustada. Calmamente, me respondeu: "Não. Eu pretendo amar". "Como?! A senhora não ia dar adeus ao mundo?", perguntei confusa. "Sim, darei adeus ao mundo. Não me preocuparei mais com nada. Não sofrerei mais com nada. Vou alimentar os pombos todos os dias. Vou olhar as nossas fotos todos os dias. Vou amar todos os dias. É assim que darei adeus ao mundo, amando. Darei adeus ao mundo da solidão, da dor, do desamor. Prometi ao meu amor não chorar mais. Então não chorarei. Amarei. Só assim posso mudar o chão que piso"


Ele morreu um mês após aquele dia. Ela não chorou. Ela não sofreu. Resignou-se. Sabia que o amor ainda estava ali. Sabia que ainda tinha que amar. Amar até seus últimos dias. 

Eu chorei. Eu sofri. Resignei-me. Não conformada pela solidão, pois sabia que não estava mais só. Resignei-me em amar. Criar o molde para o amor. Fazer a cama para que se instalasse. Amaria até meus últimos dias. Em essência. Com simplicidade. Tudo com amor.    

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